“O mito da doutrinação tem nos adultos, o mesmo efeito cognitivo que o homem do saco para as crianças.” Autor desconhecido.
Gostaria que este texto fosse lido pelas mães e pais responsáveis de todos (...) estudantes...
Doutrinação, segundo o dicionário, é a ação de doutrinar. Uma doutrina, no campo religioso e político, tem a ver com a ideia de conjunto de preceitos e fundamentos básicos que compõem um sistema e que pode ser ensinado para servir de modelo na vida de seus seguidores.
Enquanto professor, sou injustamente acusado de doutrinação escolar, no sentido equivocado de ter esse poder de influenciar os estudantes, como se fosse possível manipular as ações e pensamentos deles! Se você, pai e mãe são pessoas atentas, já devem ter começado a perceber que isso é impossível, nem eu nem nenhuma outra pessoa professora tem essa habilidade e isso é muito fácil de provar.
Enquanto professor, eu até posso fazer seus filhos pensarem no que eu quiser [(...)](# "ou qualquer pessoa, incluindo você, agora", apenas acrescentando a palavra “não” na frente da frase. Por exemplo, quando escrevo: “Não pense num elefante rosa!”, automaticamente vocês pensam num elefante rosa. Fazer alguém pensar em algo é muito fácil assim, mas daí fazer alguém FAZER algo, aí já é outra história.
Quando, sem saber do estudante que está filmando escondido, a professora de história diz “Não pense no comunismo como algo ruim...”, é provável que automaticamente os estudantes vão (...) pensar na ideia que cada um tem de comunismo, variando entre o icônico símbolo da foice e martelo em vermelho, passando pelo próprio conceito de comunismo (...), até a mais fantasiosa imagem de uma mancha de sangue saindo do mapa da antiga União Soviética e se espalhando pelo resto do mundo... Mas (...), nem eu, nem a professora do nosso exemplo, nem ninguém pode convencer esses estudantes a, primeiro, aceitar como verdade o conceito de comunismo e a recomendação de que não é algo ruim, segundo, materializar esse conceito enquanto modelo a ser seguido na prática de sua vida. Depois que a professora de história apresenta o conceito de nosso exemplo na sala, nenhum estudante vai pensar “Mmm, então comunismo não é algo ruim? Gostei, vou ser comunista agora!”, mas o que a filmou escondido vai postar um vídeo na internet dizendo que ela tentou doutriná-lo. Note que a compreensão de conceitos, alguns abstratos, não é algo assim imediato e daí para a ação, é mais outro grande passo.
Tem aquela frase que diz: “A palavra convence, mas o exemplo arrasta!”, ela é bonita, mas na observação concreta da realidade, quantas vezes vocês tiveram que dar o exemplo para seus filhos replicarem um comportamento desejado de forma natural? Quantas vezes vocês pediram para eles não beberem água na garrafa, ou encherem a garrafa depois de beber...
Nesse caso específico, do comunismo, ainda que se tenha afinidade e desejo de viver esse conceito, nossa realidade concreta é fortemente pautada pelo capitalismo e mesmo nos países ditos comunistas; ou seja, assim como outros conceitos, existe um abismo distante entre o discurso e a prática.
“Na teoria, não existe diferença entre teoria e prática. Na prática, existe.” Autor desconhecido.
Eu falo em tom de brincadeira (...) que não consigo sequer que eles leiam os textos da aula (...), quanto mais ter a capacidade de influenciá-los em qualquer ideologia que seja; porque escolheríamos justamente esta(?), baseada nesse mito torto de doutrinação. Não escolhemos, porque nós sabemos, não é este o papel do professor(a), nosso papel tem a ver com educação formal, que inclusive é diferente de educação familiar. Nós professores somos tratados como inimigos, tanto pelos estudantes indisciplinados em sala de aula quanto pelos pais que não participam das reuniões escolares justamente por esclarecer essa confusão entre educação básica familiar e educação formal escolar. Todos nós já estamos imersos em nossos (pré)conceitos, não é um profissional desvalorizado e mal pago como o professor que, magicamente, vai fazer os estudantes agirem ou terem comportamentos diferentes dos seus próprios interesses.
A palavra chave que o mito da doutrinação escolar esconde é justamente essa, ação. Todas as nossas ações e atitudes são, no geral, resultados inacabados de motivações, interesses, escolhas e incentivos já desenvolvidos anteriormente em nossa experiência pessoal. Por isso, mães e pais responsáveis por filhos estudantes, espero que compreendam que os verdadeiros inimigos são aqueles que nos acusam do mito da doutrinação escolar ou, como bem dizem por aí, “se você tem medo de ser doutrinado, é porque você já foi!”. Os verdadeiros inimigos são todos os contextos desfavoráveis a educação de nossos filhos, entre eles a desvalorização (...) de todas as pessoas profissionais de educação, desde o porteiro, passando pelo faxineiro e professores até a gestão escolar. Mesmo nesse contexto difícil, nós ainda estamos lá, no chão da escola, tentando agir a favor da educação porque acreditamos que é o certo a se FAZER para nossos filhos agora e, por consequência todos nós; além das novas gerações.